Nesse trecho de sua Carta, revela o olhar do europeu na avaliação que faz dos índios. [...]
Andaram na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e daí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que
viriam, este dia, à praia, quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta. Alguns deles traziam arcos e flechas, que todos
trocavam por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco de tudo que lhes oferecíamos.
Alguns deles bebiam vinho; Outros não o podiam suportar. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de
beber de boa vontade. Andavam todos tão bem dispostos, tão bem feitos e galantes com suas tinturas que muito
agradavam. [...] E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que estávamos entre eles. [...]
Quando saímos do batel, disse-nos o Capitão que seria bem que fôssemos diretamente à cruz que estava
encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de
joelhos e a beijássemos para que eles vissem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze
que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la.
Parece-me quente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos,
visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão
de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza,
se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta
gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar,
uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até
aqui trazido, creio que não o foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica,
deve cuidar da salvação deles. E aprazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!
[...]

Castro, Silvio (Intr., atualiz. e notas). A carta de Pero Vaz de Caminha.
Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 93-94. (Fragmento).

Interpretação do texto:
01 – Nesse trecho da carta, é possível perceber que o primeiro contato entre portugueses e índios foi bastante
amistoso. Que informações do primeiro parágrafo comprovam essa afirmação?

a) De que maneira o comportamento tranquilo e amistoso dos indígenas é interpretado pelos colonizadores?

02 – Além de encontrar ouro e metais preciosos, os portugueses tinham outro objetivo para a terra recém-
descoberta. Identifique-o e transcreva o trecho em que isso fica claro.

a) Como os índios são retratados por Caminha?

b) Por que, segundo ele, os índios “seriam logo cristãos”?

03 – Releia:
“E imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor
lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons”.
a) O trecho destacado revela os princípios que nortearam a colonização portuguesa. Explique por quê.

b) Por que, segundo Caminha, a aparência dos índios revela sua índole boa?

04 – Que elementos do texto indicam a visão de um homem europeu que desconsidera a cultura indígena?

a) É possível explicar o processo de aculturação dos índios a partir dessa visão de mundo do colonizador?
Por quê?